O presidente voador
Olhem, para falar verdade, eu acho bom essa coisa de
viver o nosso presidente a esvoaçar para um lado e outro do Brasil. Não sei por
que, mas anima o interior e conforta o país, esse presidente volante que sorri
cada dia em um município, dá abraços, come seu frango ao molho pardo e angu,
inaugura um troço qualquer, diz coisas otimistas. Na minha opinião isso só pode
exaltar, como é uso dizer agora.
O Brasil já é de natural triste, com sua gente perdida
pelas imensidões melancólicas; ficaria pior com um presidente casmurro e imóvel
dentro do Palácio.
A oposição, que é mal-humorada por princípio, diz que
assim o presidente não tem um tempo para se concentrar no estudo de nossos
problemas, não pode governar.
Por mim, eu prefiro um presidente voando a dois na mão.
Voando, ele é um anjo federal, que não faz mal a ninguém, obriga a festinhas
com banda de música e champanha. Sempre sobram uns docinhos para as crianças.
Ah, eu fui criança no interior e jamais peguei sequer
uma visita de presidente do Estado; lembro-me, entretanto, de minha alegria
quando apareceu lá em Cachoeiro o secretário da Educação do Estado. Era o velho
Ubaldo Ramalhete, alto, ereto, bem-vestido. Foi a primeira personalidade que eu
vi. E achei ótimo aquilo, os foguetes na estação, a formatura do Grupo Escolar
e das escolas, nós todos ali, e banda de música, Hino Nacional, guaraná grátis,
o prefeito, o juiz, todos os locais bem-vestidos, cumprimentando, sorrindo,
dizendo por favor, por obséquio, tenha a bondade, vossa excelência, todos
felizes. E quando Sua Excelência falou de Cachoeiro de Itapemirim só disse
coisas a nosso favor, senti-me importante pela importância de minha cidade
indubitavelmente ou inquestionavelmente (não me lembro mais, era um desses
advérbios de modo assim bonitos, um advérbio de discurso) um grande centro
progressista industrial cultural, outros adjetivos em al, e uma alusão delicada
ao sorriso e à graça da mulher cachoeirense
Ubaldo Ramalhete, que mais tarde conheci melhor, era um
homem inteligente e fino; mas que não fosse, fosse quem fosse – era um
secretário de Estado, uma personalidade, uma excelência; imaginem se fosse
Presidente da República!
Por que roubar uma alegria tão grande às crianças
humildes do interior do Brasil? E os senhores da oposição têm certeza de que
seria melhor para o Brasil se o doutor Juscelino voasse menos e pensasse mais?
Tenho minhas dúvidas.
Voai, presidente, voai!
Rubem Braga
Rio, janeiro, 1957
Extraída do livro “Ai de ti, Copacabana”.
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