Entre Tom & Jerry e a cuíca da pátria amada

E no final da festa, quando o último tamborim silencia, um verso resiste, rouco, teimoso, suado de verdade: “Apesar de você, amanhã há de ser outro dia…”

Marcelo Lopes é também psicanalista e cronista. (Foto: Divulgação)


CRÔNICA | Comendador Marcelo Lopes, empresário e presidente do Rotary Club de Trindade

Era uma festa estranha, com gente esquisita. Eu não estava legal, mas também… quem tá? A política dançava quadrilha com o cinismo e o Brasil assistia de camarote - sem ingresso, sem pipoca e sem paciência.

No centro do salão, Tom berrava. Bravinho, valente, cheio de si. Corria atrás de Jerry, o rato escorregadio, que já conhecia cada fresta do sistema e roía sorrindo os fios da esperança.

Tom tropeçava na própria arrogância, enquanto Jerry escapava, sorrateiro, com um queijo na mão e dois no bolso. Um gritava por justiça; o outro cochichava em códigos. Um tentava botar ordem; o outro já tinha o caos no bolso de trás.

E a trilha sonora do fundo dizia: “Nas favelas, no Senado, sujeira pra todo lado…” - e Legião Urbana parecia narrar o roteiro.

O povo? Esse não queria mais ser golpeado. Queria golpear de volta - não com armas, mas com verdade. Sonhou com os Verde-Oliva como heróis da moral. Mas foram calados, divididos, reduzidos à memória de um hino não cantado.

Quando o povo acampou, orou, chorou, foi chamado de selvagem, extremista, inconveniente. Quando exigiu, foi multado. Quando pediu justiça, recebeu silêncio. “Tem gente que está do mesmo lado que você, mas deveria estar do lado de lá…” - sussurrava Renato Russo nas entrelinhas.

A festa seguia. Com champanhe para poucos e suco ralo para muitos. Tom gritava da sacada, Jerry assinava decretos no porão. O povo, esse, varria a calçada com lágrimas.

Os presos foram soltos. Processos apagados como giz na lousa da conveniência. Agora os bandidos de ontem despacham sorridentes da tribuna. E os que ousaram pensar diferente, os que acenderam velas em vez de acatar o script, foram algemados no calabouço da nova ordem. “Me disseram que você estava chorando…” - e o povo chorava mesmo. De fome, de cansaço, de incredulidade.

Queriam cortar na carne do privilégio, mas cortaram no arroz, na saúde, na segurança, no futuro que já chegou vencido. “O tempo não para…” - dizia Cazuza… mas aqui parece congelado no ciclo da desilusão.

Tom caiu. Jerry voltou. O povo paga o bufê, lava os copos, varre o salão. A festa não se acaba. O sol que prometeram já nem canta. É bilíngue, mas perdeu a voz. Os artistas, calados pela fome dos editais, foram pescados pela Lei Rouanet como se pesca sardinha em mar de tubarões.

Os miseráveis? Vendidos por vale-gás e ilusão. Disfarçaram esmola de dignidade. Ofereceram pão velho como se fosse promessa.

E até Verde-Oliva de cinco estrelas foi arrastado pra cadeia, como se a honra vestida em farda agora fosse fardo. Viraram manchete, escândalo, piada de rodinha… Heróis de ontem algemados nos bastidores da vergonha.

E no final da festa, quando o último tamborim silencia, um verso resiste, rouco, teimoso, suado de verdade: “Apesar de você, amanhã há de ser outro dia…”.

Mas o amanhã… esse amanhã que prometeram nos palanques e nas canções, parece sempre preso no ontem. E mesmo assim, o povo canta. Canta porque quem não canta enlouquece. Canta com fome, com medo, com lágrima. Canta porque ainda sonha - e enquanto houver voz, a cuíca da pátria ainda pode marcar o compasso de uma nova esperança.


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