Controvérsias sobre o papel do Estado

por Daniellen do Vale


As questões relacionadas à atuação do Estado na economia são tão antigas como a própria ciência econômica. Enquanto alguns modelos buscam mostrar que a eficiência pode ser atingida pelas livres forças do mercado, outros apontam as falhas de mercado para expor o papel do Estado no desenvolvimento e na eficiência da economia.

Daniellen do Vale
 Os modelos econômicos clássicos, por considerarem, em suas análises, a racionalidade dos agentes econômicos, postulavam o que se pode chamar de Estado mínimo, ou seja, a atividade estatal deve ser voltada apenas para o atendimento de demandas em que a atividade privada não possa se autoajustar. A linha predominante dos economistas clássicos era a de que o mercado tinha a capacidade de alcançar o equilíbrio de pleno emprego, sem a interferência do governo, de forma eficiente, e o lado real da economia não é influenciado pela política monetária. Isso é conhecido na literatura como dicotomia clássica ou, simplesmente, a neutralidade da moeda. No que tange à política fiscal, ainda dentro do arcabouço da teoria clássica, um aumento do gasto público, via compra do governo, inicialmente, pressiona a demanda por bens e serviços, deixa inalterado o nível da renda, já que não afeta o nível de emprego dos fatores de produção e nem a própria função produção. Da mesma forma, uma política de transferência de renda, como, por exemplo, o Programa Bolsa Família, não tem efeito sobre o nível de produto do conjunto da economia.

No início do século XX, mais especificamente com a chamada Grande Depressão, o mundo percebeu que a teoria clássica não conseguia explicar o que ocorrera na economia daquela época. Os salários nominais estavam caindo e o desemprego era crescente nos primeiros anos da década. As livres forças de mercado não pareciam ser capazes de recolocar a economia em equilíbrio, com a plena ocupação da força de trabalho. A economia estava com o nível de oferta agregada superior ao da demanda agregada. A explicação para a crise era a falta de demanda efetiva.

Keynes, em A teoria geral do emprego, do juro e da moeda, publicada em 1936, desenvolve o Princípio da Demanda Efetiva como condição para a determinação da renda. Keynes propôs que o Estado interviesse na economia com o objetivo de estimular a demanda agregada. Políticas fiscais e monetárias expansionistas teriam por finalidade promover o pleno emprego, a estabilidade de preços e o crescimento econômico. Keynes não pregava a intervenção absoluta do Estado, apenas em casos de crise, quando o mercado não conseguisse gerar demanda suficiente.

A percepção de falhas de mercado acaba por resgatar os programas de pesquisa ligados tanto à corrente de pensamento neoclássica como à keynesiana. O livre funcionamento de mercado não soluciona problemas como a existência de altos níveis de desemprego e inflação. A operação do sistema de mercado necessita de uma série de contratos que depende da proteção e da estrutura legal asseguradas pelo Estado. Há também os bens públicos que não podem ser fornecidos de forma compatível com as necessidades da sociedade por meio do sistema de mercado; bens que produzem externalidades não são ofertados eficientemente.

O mercado, por si só, não é capaz de assegurar elevados níveis de emprego, estabilidade dos preços, elevadas taxas de desenvolvimento e estabilidade nas transações com o exterior. Por isso, as mais importantes (ou mais complexas) questões em economia são: qual deveria ser o papel do Estado na economia? Quais seriam os melhores instrumentos para o Estado atuar na economia? Poderia o Estado promover um equilíbrio econômico ótimo? Quais seriam as condições exigidas para justificar uma maior atuação do Estado na economia? Sem dúvida, a primeira condição relaciona-se a seu foco: o Estado deve estar concentrado no interesse público. Mas o Estado também tem de estar provido de informações e de mecanismos eficientes de intervenção. Por fim, o Estado deve contemplar as necessidades intergeracionais. Problemas ambientais, como aquecimento global, desmatamento e extinção de espécies e redução de recursos hídricos para a produção e consumo humano, poluição, lixo, etc., também devem estar na ordem das preocupações do Estado.

Mesmo que não haja garantias teóricas ou empíricas quanto ao tamanho ótimo e a forma de atuação do Estado na economia, ainda assim é fato que as sociedades modernas não podem prescindir de sua presença. Incontestável também é a existência de falhas de governo e que estas podem agravar os problemas gerados pelas falhas de mercado. Mas tudo isso aponta para uma única conclusão: o debate em torno do tema está longe de se esgotar e envolve mais do que divergências teóricas: está embotado de pensamentos ideológicos e passionais. Isso tudo serve de estímulo (e não o contrário) para a manutenção do interesse de acadêmicos, formadores de opinião, formuladores de política e pensadores livres no tema. 


Daniellen do Vale é economista do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC). Artigo extraído da revista “desafios do desenvolvimento” (2014 – Ano 11 – nº 80), do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA.


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