A desumanização da pessoa humana

É hora de olhar para dentro, rever o que significa ser humano e reconhecer que o amor não se compra, mas se vive, se cultiva, se nutre

Marcelo Lopes: "Hora de olhar para dentro". (Foto: Divulgação)


REFLEXÃO | Marcelo Lopes é empresário, psicanalista e presidente do Rotary Club de Trindade

Em um Brasil onde a dor se oculta sob sorrisos, cerca de 84% de nós carrega um peso invisível, problemas psiquiátricos, sombras que nos assombram, a ansiedade como carga, a depressão como ferida, numa realidade que muitos se recusam a encarar.

E, por se multiplicar a iniquidade, o amor de muitos esfriará, como se a essência da humanidade se evaporasse. Enquanto vejo a desumanização se tornar um grito ensurdecedor, um chamado desesperado para ser visto, ser amado.

Pessoas mudam sua configuração humana, transformam-se em caricaturas de si mesmas. Nas margens da sociedade, androides sem alma mudam suas identidades à revelia, tornam-se animais de estimação, como quem grita: “Eu estou aqui!” Mas em que custo? A que preço?

Recordo os dias em que a vida pulsava, brincadeiras de roda e risadas ecoavam nas ruas, o trânsito impedido por redes de vôlei. Eram pessoas sendo gente, vivenciando o agora. Famílias se uniam nas praças, em calor humano, sem a necessidade de artifícios, objetos ou bichos. A conexão estava no toque, no olhar sincero, não sempre perfeito, mas sempre verdadeiro.

Mas agora, aqui estou assistindo à transformação da vida, pessoas que se tornam sombras, desconfigurando o eu naquilo que se acha interessante. Formatação do eu que se adapta a essa nova realidade e brinquedos que imitam humanos tornam-se integrantes da família, sem alma.

Não consigo dormir em paz enquanto a guerra da desconstrução avança. O prazer que move o ser humano, essa busca frenética, que prazer é este de deixar de ser gente? Para ser amado, há que se pagar o preço da desumanização. E o que se ganha? Um eco vazio, uma ilusão.

Onde isso vai parar? A cada dia, a cada escolha, a desumanização se infiltra em mim e a pergunta ressoa: até onde vou me deixar levar? E se eu me perder nessa formatação, o que restará do que sou? Um corpo, uma sombra, um eco distante ou um ser humano com todas as suas imperfeições?

Preciso confrontar essa realidade. A responsabilidade é minha. É hora de olhar para dentro, rever o que significa ser humano e reconhecer que o amor não se compra, mas se vive, se cultiva, se nutre. Neste diálogo interno eu busco a verdade. E a revolução começa quando eu decido ser eu mesmo, na plenitude do que significa viver, e não apenas existir.


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