Indesejável liderança goiana revela chaga social dos dias atuais

Goiás lidera o ranking dos estados com maior número de resgates a trabalhadores em condições análogas à escravidão em 2023, conforme o Ministério do Trabalho



ARTIGO | Paulo Afonso Tavares é professor, historiador e jornalista. Cursa ainda doutorado em História na UFG e o mestrado em Desenvolvimento e Planejamento Territorial na PUC Goiás

No Brasil, o fenômeno do trabalho análogo à escravidão continua sendo uma chaga social, apesar dos avanços legislativos e das ações de fiscalização. Em 2023, o estado de Goiás destacou-se de forma preocupante nesta área, registrando o maior número de resgates de trabalhadores nessas condições, conforme dados do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Este caso não apenas lança luz sobre a persistência do problema, mas também desafia a eficácia das medidas de combate existentes.

O trabalho análogo à escravidão é definido pelo artigo 149 do Código Penal brasileiro. Esta legislação caracteriza tal trabalho pela submissão a trabalhos forçados, jornadas exaustivas, condições degradantes de trabalho, e restrição de locomoção em razão de dívidas. Tais práticas violam os direitos fundamentais do indivíduo, atentando contra sua dignidade e liberdade. É um conceito que transcende a noção tradicional de escravidão, abrangendo uma gama de violações que muitas vezes ocorrem de maneira oculta e insidiosa.

Ilustração com imagem: Freepik


No cenário internacional, o Brasil assumiu compromissos importantes ao ratificar tratados como a Declaração Universal dos Direitos Humanos e a Convenção Americana de Direitos Humanos. Estes tratados obrigam o país a combater todas as formas de trabalho forçado e escravidão. Contudo, a realidade demonstrada pelos números de Goiás indica que a implementação efetiva desses compromissos ainda enfrenta obstáculos significativos.

Em Goiás, o cenário de 2023 foi particularmente grave. Dos 3.190 trabalhadores resgatados no Brasil, 739 foram no estado, o que representa um aumento alarmante e sinaliza para uma problemática mais profunda. Estes trabalhadores, frequentemente aliciados sob falsas promessas, encontram-se subjugados em condições degradantes, com jornadas exaustivas e sem a possibilidade de deixar o local de trabalho devido a dívidas manipuladas.

A predominância de casos no setor do cultivo de café, superando até mesmo a cana-de-açúcar, revela uma vulnerabilidade específica desses setores à exploração laboral. Este fato ressalta a importância da fiscalização laboral como ferramenta essencial no combate ao trabalho escravo.

As implicações legais para os empregadores que perpetuam essas práticas são severas, incluindo penas de reclusão e multas. Além disso, as vítimas devem receber todas as verbas trabalhistas devidas e indenizações por danos morais. Contudo, a aplicação efetiva da lei e a reparação às vítimas são desafios constantes.

O combate ao trabalho análogo à escravidão requer um esforço coletivo e coordenado. Além das ações governamentais, é vital a participação da população na denúncia dessas práticas. Canais como o Disque 100 e os sites dos Ministérios Público do Trabalho e Federal são fundamentais para facilitar as denúncias. Além disso, a colaboração entre diferentes instituições, incluindo o MTE, Polícia Federal, e Ministério Público do Trabalho, é crucial para garantir uma abordagem eficaz.

O caso de Goiás em 2023 não é apenas um alarme sobre a situação em um estado específico, mas um indicativo de que a luta contra o trabalho análogo à escravidão no Brasil requer vigilância constante, políticas públicas robustas e uma participação ativa e informada da sociedade. A erradicação dessa prática desumana é um imperativo ético e legal que demanda um compromisso firme de todas as esferas da sociedade brasileira.


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