A República das torcidas
Porque aqui política é futebol, é paixão cega, é time, é camisa e é briga de bar — menos projeto de nação
Marcelo Lopes: Política é futebol. (Foto: Reprodução)
ARTIGO | Comendador Marcelo Lopes é empresário, psicanalista e escritor
O tribunal está formado. As togas ajeitadas. As câmeras posicionadas. Do lado de cá, o povo se amontoa como quem assiste final de campeonato. Não se trata mais de julgamento — mas de espetáculo. Um jogo onde a razão perdeu por W.O.
A política no Brasil virou estádio. E cada um de nós — arquibancada viva, bufando, xingando juiz, jurando amor eterno ao camisa 10 do nosso time.
Mas o que se julga ali, entre parágrafos e parênteses jurídicos, não é só um réu. É a própria sanidade da nossa democracia. Essa democracia maquiada, com rímel escorrendo de tanto chorar no banheiro.
Aqui ninguém quer justiça. Quer vingança. Aquela com gosto de sangue na boca, com camisa suada e pulmão gasto de tanto gritar. Não se vota em ideias. Vota-se em torcidas organizadas. Não se discute projeto de nação. Discute-se quem tem mais seguidores e memes de efeito.
A imprensa? Virou técnico de time: escalando manchetes como quem escala atacante. O povo? Segura a faixa, canta o hino e atira pedra se o placar não for favorável.
Democracia virou privilégio de quem tem dinheiro pra bancar o jogo. E voto direto?
É como ingresso de final: comprado, vendido, trocado por promessa, gasolina ou cesta básica.
E quem ousa ficar no meio do campo, tentando apitar imparcialmente, vira alvo de pedrada: “Isentão!”, “Covarde!”, “Traidor!”
As eleições se tornaram o Brasileirão das vaidades. Os candidatos, ex-jogadores de clubes da corrupção: uns vieram do escândalo dos Sanguessugas, outros da várzea do Mensalão, alguns saíram lesionados da Lava Jato, mas todos… voltam pro jogo.
Você se lembra de algum que devolveu o dinheiro? Que saiu de cena envergonhado?
Pois é. Nem eu.
Aqui, quem entra, não quer sair.
Gruda no cargo como quem agarra a trave no último minuto. Não pela vocação — mas pelo foro privilegiado, esse escudo sagrado contra o VAR da justiça comum.
E enquanto o povo se engalfinha nas redes, na mesa do bar, nos grupos de WhatsApp,
a próxima eleição já desenha seu enredo surreal: dois ex-presidiários (ou quase) despontam como favoritos. E quem sabe, na próxima, isso vire critério de desempate: “Só quem já passou pela prisão sabe o valor da liberdade”, dizem alguns, entre um voto e outro.
Talvez um dia todos os presidenciáveis tenham passagem pela polícia. E aí, pergunto:
qual o problema com o PCC mesmo?
Essa é a República das Torcidas. Paixão sem projeto. Fúria sem razão. Onde o sujeito que ousa pensar diferente é tachado de inimigo.
E no fim, quando tudo acabar, quando o último voto for computado, a dívida será nossa. Como sempre foi.
Eles voltam pros seus palácios. Nós, para os carnês. Eles trocam a faixa. Nós pagamos o preço.
Talvez o único milagre possível seja esse: sobreviver ao país que criamos sem virar aquilo que mais odiamos.
______
NOTA: Artigos publicados neste espaço trazem ideias e opiniões de quem os assinam e não do titular deste blog.
ARTIGO | Comendador Marcelo Lopes é empresário, psicanalista e escritor
O tribunal está formado. As togas ajeitadas. As câmeras posicionadas. Do lado de cá, o povo se amontoa como quem assiste final de campeonato. Não se trata mais de julgamento — mas de espetáculo. Um jogo onde a razão perdeu por W.O.
A política no Brasil virou estádio. E cada um de nós — arquibancada viva, bufando, xingando juiz, jurando amor eterno ao camisa 10 do nosso time.
Mas o que se julga ali, entre parágrafos e parênteses jurídicos, não é só um réu. É a própria sanidade da nossa democracia. Essa democracia maquiada, com rímel escorrendo de tanto chorar no banheiro.
Aqui ninguém quer justiça. Quer vingança. Aquela com gosto de sangue na boca, com camisa suada e pulmão gasto de tanto gritar. Não se vota em ideias. Vota-se em torcidas organizadas. Não se discute projeto de nação. Discute-se quem tem mais seguidores e memes de efeito.
A imprensa? Virou técnico de time: escalando manchetes como quem escala atacante. O povo? Segura a faixa, canta o hino e atira pedra se o placar não for favorável.
Democracia virou privilégio de quem tem dinheiro pra bancar o jogo. E voto direto?
É como ingresso de final: comprado, vendido, trocado por promessa, gasolina ou cesta básica.
E quem ousa ficar no meio do campo, tentando apitar imparcialmente, vira alvo de pedrada: “Isentão!”, “Covarde!”, “Traidor!”
As eleições se tornaram o Brasileirão das vaidades. Os candidatos, ex-jogadores de clubes da corrupção: uns vieram do escândalo dos Sanguessugas, outros da várzea do Mensalão, alguns saíram lesionados da Lava Jato, mas todos… voltam pro jogo.
Você se lembra de algum que devolveu o dinheiro? Que saiu de cena envergonhado?
Pois é. Nem eu.
Aqui, quem entra, não quer sair.
Gruda no cargo como quem agarra a trave no último minuto. Não pela vocação — mas pelo foro privilegiado, esse escudo sagrado contra o VAR da justiça comum.
E enquanto o povo se engalfinha nas redes, na mesa do bar, nos grupos de WhatsApp,
a próxima eleição já desenha seu enredo surreal: dois ex-presidiários (ou quase) despontam como favoritos. E quem sabe, na próxima, isso vire critério de desempate: “Só quem já passou pela prisão sabe o valor da liberdade”, dizem alguns, entre um voto e outro.
Talvez um dia todos os presidenciáveis tenham passagem pela polícia. E aí, pergunto:
qual o problema com o PCC mesmo?
Essa é a República das Torcidas. Paixão sem projeto. Fúria sem razão. Onde o sujeito que ousa pensar diferente é tachado de inimigo.
E no fim, quando tudo acabar, quando o último voto for computado, a dívida será nossa. Como sempre foi.
Eles voltam pros seus palácios. Nós, para os carnês. Eles trocam a faixa. Nós pagamos o preço.
Talvez o único milagre possível seja esse: sobreviver ao país que criamos sem virar aquilo que mais odiamos.
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NOTA: Artigos publicados neste espaço trazem ideias e opiniões de quem os assinam e não do titular deste blog.
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