Reflexões e questionamentos de um professor angustiado


Viver o presente tem sido um desafio dramático e pensar no futuro causa arrepios profundos

Dianari Inácio de Morais Júnior, professor de História. (Foto: Divulgação)



Em meio a este cenário de fim dos tempos, angústias e incertezas dominam o cotidiano de muitos de nós. Viver o presente tem sido um desafio dramático e pensar no futuro causa arrepios profundos. Neste contexto de epidemia, distanciamento social, dependência das tecnologias digitais, home office e aulas não presenciais me pergunto: será que nós professores estamos prestes a viver nossa revolução verde?

Na década de 1960, se iniciou um processo de modernização das técnicas agrícolas no mundo. Esse processo ficou conhecido como revolução verde. Concebida nos EUA, essa tal revolução, visava introduzir um pacote tecnológico contendo novas técnicas de cultivo, equipamentos para mecanização das lavouras e uso em larga escala de fertilizantes, agrotóxicos e sementes selecionadas nas plantações dos países ditos em desenvolvimento que levaria a um aumento de produtividade e ao consequente fim da fome.

Por meio de dados facilmente observáveis em nossa realidade atual sabemos que a revolução verde não cumpriu com sua promessa. Aliás, como adultos maduros que já abandonaram a fase de acreditar haver solução mágica para tudo, sabemos que não existe panaceia (planta, beberagem, simpatia, ou qualquer coisa que se acredite ter o poder de remediar todos os males). A revolução verde não só não acabou com a fome no mundo, como produziu um aumento da desigualdade entre pequenos e grandes fazendeiros e de quebra alterou (de uma vez por todas) as relações de trabalho no campo. Teve início um processo de mecanização que levou ao desemprego estrutural. Uma grande colheita que antes era feita por centenas de trabalhadores ao longo de várias semanas, passou a ser feita por algumas máquinas, pilotadas por alguns trabalhadores em poucos dias. Isso significou um ganho em produtividade (produzir mais com menos) e uma luta por empregos forçando a migração em massa para as periferias das grandes cidades (êxodo rural).

Para conduzir os modernos tratores era necessário ser uma mão de obra com mais qualificações que simplesmente a força física. Logo, se um grande fazendeiro necessitava de 1000 trabalhadores e trabalhadoras (adultos, jovens e crianças) para colher 10 toneladas de arroz em 4 semanas (ou para fazer o corte da cana-de-açúcar), com a mecanização da mão de obra ele dispensou os 1000 camponeses e contratou 10 novos funcionários. Claro que alguém poderá argumentar que este é um trabalho mais qualificado e paga melhor que o serviço braçal de antes e que parte daquela mão de obra antiga poderia se requalificar e disputar essas melhores vagas ao invés de continuarem em subempregos. Mas, note que a partir da adesão da nova tecnologia não é garantido que toda a mão de obra antiga ou parte dela será absorvida no novo modelo. A solução para a nova demanda pode vir de fora do sistema.

Vejamos se essa situação não é semelhante ao que nós professores estamos prestes a viver. Em meio a pandemia da COVID-19, milhões de estudantes e milhares de professoras e professores estão sendo forçados/empurrados/obrigados e/ou orientados a levar a cabo um projeto, na maioria dos casos, improvisado de aulas remotas. Do dia para noite, nomes em idioma estrangeiro/forasteiro/colonizador (Zoom Meetings, Google Classroom, Hangouts) passaram a nos tirar o sono e a atormentar os dias de muito trabalho, que desenvolvemos enclausurados em nossas residências. Tendo que se virar para ocupar os dias e as cabeças de seus estudantes com uma avalanche de conteúdos em videoaulas, textos em PDF, e listas de exercícios com roupagem tecnológica, nos tornamos yotubers, performers e mediadores on-line sem em muitos casos nem saber o que é exatamente isso e principalmente como e por que fazer isto. Em alguns momentos fazemos tudo isto com empolgação e na maior parte do tempo fazemos isto com exaustão e estresse causado pelo analfabetismo digital.

Como minha proposta aqui não é dar respostas, mas fazer provocações, questiono: Está nossa profissão, vista por alguns como vocação, ou seja, chamado do destino e por isso mesmo indigna de valorização financeira, em vias de ser extinta como muitos de nós a conhecemos e a praticamos desde o século 19 tal qual o serviço braçal no campo? Existe a chance desse EAD absolutamente improvisado levar a uma mecanização em massa de nossos postos de trabalho? Milhares de professoras e professores poderão num futuro não muito distante serem substituídos por alguns professores-youtubers e centenas de mediadores com formação de nível médio? Estamos correndo o risco de viver a maior, a mais profunda, e se não fizermos nada, a definitiva ação de precarização de nossa profissão?

Não sei responder a todos esses questionamentos, e nem mesmo se há algum exagero na forma de perguntar. O que sei, é que a disputa pelo futuro pós-pandemia já começou e se não pararmos para refletir, e na sequência nos posicionarmos de forma firme e conjunta, não tomaremos (mais uma vez) parte das decisões que definirão como serão nossas vidas nas próximas décadas.


Dianari Inácio de Morais Júnior é professor, licenciado em História, com especialização em Ensino de Humanidades pelo IF Goiano - Campos Trindade. (inacio.dianari@gmail.com)


Comentários

Unknown disse…
Parabéns ,caro amigo de profissão. Maravilhoso texto,
com certeza suas palavras exprimem tudo o que estamos vivenciando e sentindo nesse momento tão atípico.