O Avanço Inaceitável: Aumento de 83% no Desmatamento do Cerrado Brasileiro

A devastação do Cerrado é também um ataque direto ao nosso patrimônio natural, cultural e socioeconômico

Paulo Afonso: Cerrado devastado. (Foto: Reprodução)


Hoje, 7 de junho, nos deparamos com dados alarmantes divulgados pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima: um aumento de 83% no desmatamento do Cerrado em relação ao mês de maio do ano passado. Em contrapartida, a floresta amazônica teve uma diminuição de 10% no desmatamento no mesmo período. Embora a redução no desmatamento na Amazônia seja uma notícia encorajadora, ela não pode nos distrair do sombrio cenário que se desenrola no Cerrado.

Popularmente conhecido como “a savana mais rica do planeta”, o Cerrado brasileiro abriga uma diversidade biológica incomparável e contribui enormemente para a regulação hídrica do país, sendo reconhecido como "a caixa d'água do Brasil". Infelizmente, ao longo do século XX, este importante bioma foi amplamente devastado, e hoje, mais de 57% de sua área original já foi degradada, restando uma pequena parcela que luta para sobreviver em meio à expansão descontrolada das práticas humanas.

O aumento estrondoso do desmatamento no Cerrado é particularmente chocante se considerarmos o impacto da perda deste bioma único para a biodiversidade. A degradação do Cerrado traz consigo o risco de extinção de muitas espécies endêmicas, como a raposa-do-campo e o lobo-guará, além de afetar significativamente os importantes rios brasileiros, como o São Francisco e o Tocantins, que não se restringem às áreas desse bioma.

Essa devastação do Cerrado foi acelerada, em grande parte, pela expansão da fronteira agrícola brasileira, com as atividades agropecuárias ocupando em larga escala o domínio deste bioma. Este avanço, em muitos casos, foi desordenado e não respeitou limites naturais, como matas ciliares ou áreas de grande necessidade de conservação, abrigos de várias espécies.

O uso do fogo, outra prática nociva ao Cerrado, também contribui para essa triste realidade. As queimadas causadas pelos seres humanos provocam a perda total das espécies e o desgaste dos solos, enquanto as queimadas naturais, que fazem parte do ciclo de renovação da vegetação, são reduzidas à insignificância.

Apesar dos esforços de conservação e monitoramento do desmatamento, como o Plano de Ação de Prevenção e Controle do Desmatamento no Bioma do Cerrado (PPCerrado), ainda há um longo caminho a percorrer. As Unidades de Conservação representam apenas 0,85% das áreas do Cerrado, e mesmo estas sofrem pressões de ruralistas e agronegociantes que buscam expandir suas áreas de cultivo.

O aumento de 83% no desmatamento do Cerrado é um alerta que não podemos ignorar. Essa situação alarmante clama por uma ação urgente e decidida para reverter a tendência destrutiva que ameaça consumir este bioma crucial. É imperativo intensificar os esforços para proteger e conservar o Cerrado, por meio da implementação de políticas eficazes de proteção ambiental, fiscalização rigorosa e a promoção da agricultura sustentável.

A devastação do Cerrado é também um ataque direto ao nosso patrimônio natural, cultural e socioeconômico. A perda deste bioma pode ter consequências catastróficas não apenas para as espécies que lá habitam, mas também para as comunidades que dependem dele para seu sustento e para a cultura brasileira, que tem profundas raízes nesta região.

Enquanto celebramos a redução do desmatamento na Amazônia, não podemos fechar os olhos para a calamidade que se desenrola no Cerrado. A conservação da Amazônia e do Cerrado não são questões mutuamente exclusivas; eles são igualmente cruciais para a saúde ecológica do nosso planeta e para a sobrevivência das gerações futuras.

O combate ao desmatamento do Cerrado deve ser uma prioridade na agenda ambiental brasileira e mundial. Afinal, o futuro do Cerrado, um dos maiores e mais importantes biomas do mundo, está literalmente em nossas mãos. Nós, como sociedade, temos o dever moral e ético de proteger e preservar este bioma único, por sua imensa importância para a biodiversidade, o equilíbrio climático e a vida de milhões de pessoas.

A realidade é que, se não agirmos agora, corremos o risco de perder o Cerrado para sempre. Segundo alguns dados, se a atual taxa de devastação for mantida, esse importante bioma pode desaparecer até 2030. Não podemos permitir que isso aconteça.

Necessitamos de uma mudança radical e imediata na maneira como vemos e lidamos com o Cerrado. Precisamos de um maior investimento em pesquisas científicas, tecnologia e políticas públicas para sua conservação. Necessitamos de um compromisso da sociedade e do governo para valorizar e preservar este bioma, antes que seja tarde demais. A situação do Cerrado exige uma ação rápida e decisiva de todos nós, pelo bem do nosso planeta e do nosso futuro.

Paulo Afonso Tavares é professor e jornalista, doutorando em História na Universidade Federal de Goiás (UFG) e mestrando em Desenvolvimento e Planejamento Territorial na PUC GOIÁS.

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